Você não é mais criança, você deve estar pensando e essa pergunta não faz sentido.
É claro que eu não tenho, você diz.
Mas a verdade é que você, eu e cada um de nós tem um conjunto de lobos maus que nos perseguem por toda a vida, a menos que a gente perceba que não se passa de uma assombração. De uma sombra ou brincadeira de mal gosto, que atua como um inimigo sorrateiro que nos impede de sermos mais alegres, livres, simples e realizadores.
Infelizmente gastamos muito, muito tempo da nossa existência lidando com esses lobos maus. Ou seja, com nossos medos.
O medo não é de todo mal, pois é a partir dessa emoção ancestral e natural que nossa civilização chegou até aqui. Somos vitoriosos como espécie pois temos uma inteligência extremamente refinada, perceptiva e ágil que ao menor sinal de ameaça entra em ação nos protegendo de muitos perigos.
Quando algum dos nossos 5 sentidos detecta alguma possibilidade de risco é como se uma sirene interna fosse tocada, colocando todo o nosso sistema em prontidão para lutar ou fugir. É como se todas as nossas células reverberassem em uníssono, transformando nosso corpo em um exército com grande capacidade de correr, saltar, enxergar ao longe, ouvir sons distantes e tomar decisões rápidas. É exatamente isso que acontece quando quase que automaticamente recolhemos a mão para não nos queimar em uma fogueira ou pulamos para trás no meio de uma trilha quando ouvimos um som estranho.
Essa inteligência é tão eficiente em nos proteger que é difícil entender por que apesar disso, continuamos vivendo tão preocupados e sobressaltados. Afinal, até aqui, ela já nos deu inúmeras provas de que é mais atenta e rápida do que nossos próprios pensamentos.
Mas, não é tão simples assim, você deve estar pensando. Não é apenas do fogo ou do animal peçonhento que temos medo.
Pois é, você tem razão.
Esses não são os verdadeiros lobos maus que nos causam as maiores privações e nos perseguem até a idade adulta. Mas sim, o medo de ficar só, de não ter dinheiro, de não realizar o que deseja, de não conseguir atender a expectativa do outro, de fracassar, de envelhecer, de adoecer, de não ser respeitado, amado ou querido. De não fazer acontecer, de ter uma vida medíocre, de não ser feliz.
Temos grandes medos comuns como humanidade. Medo da peste, das tempestades, da vingança do inimigo e da falta de abrigo. Esses medos permanecem aqui, dentro de cada um de nós, como uma fotografia antiga e desbotada que nos lembra vez por outra do que já passamos.
Também temos medos impressos em nossos núcleos familiares, relacionados às experiências de nossos ancestrais, como tataravôs e pais que também nos lembram, frequentemente, que o dinheiro pode faltar, que o nosso amor pode nos trair e que há riscos em confiar.
Mesmo que nunca tenhamos passado por uma situação dessas, essas sombras estão ali impressas em nosso seio familiar, assim como o patrimônio genético que herdamos por fazer parte daquela linhagem.
Mas além de todos esses medos, também temos nossos medos particulares. Um pacotinho único e sob medida que tira a nossa liberdade e poder de realização e que começa a ser delineado na infância e pode permanecer conosco por toda a vida.
Diferentemente do medo que atua como uma mão e voz amiga que nos diz: “se afasta do precipício pois você pode escorregar”, “recua um pouco mais e vai para a beira, pois há uma corrente forte aqui” ou “presta atenção no que ele está dizendo, pois não parece haver coerência entre o que sua voz diz, os seus olhos expressam e sua mão faz” e que nos ajuda a não nos colocarmos em enrascadas, a grade maioria dos nossos lobos maus não são tão óbvios.
Por serem muitas vezes subjetivos e sem contornos e limites claros, acabam se transformando em entidades fantasmagóricas como a mulher do saco ou de vestido branco que nunca ninguém viu, que não conseguimos explicar exatamente o que são, mas que não saem das nossas cabeças.
Diana é uma mulher adulta, com um bom trabalho, saudável e que adora viajar. Sempre viajou e fica feliz em relembrar todos os lugares que já conheceu. Entretanto, há três anos ela se separou e apesar de continuar amando viajar, não consegue mais fazer viagens longas e nem para lugares muito distantes.
Ela até tentava ir, mas na hora “h” recuava. No primeiro e no segundo ano, após planejar os roteiros detalhados para Aruba e Nova York, ela acabou desistindo poucas semanas antes das viagens e foi para o Nordeste.
Diana tinha tempo, dinheiro e não foi para onde queria. Isso é ruim. Muito ruim, pois tirava a sua liberdade de ir e vir e de fazer o que a deixava tão feliz.
Todos nós temos impulsos, coisas que gostaríamos de fazer, de realizar, de experimentar, mas muitos de nós empacamos em nossas nuvens de receio, preocupação e medo, que na maioria das vezes, são infundadas. Diana não sabia exatamente o que a fazia recuar, mas o fato é que bastava se aproximar da data da viagem, para ela começar a se sentir apreensiva. E como nem ela e ninguém gosta de se sentir desconfortável, ansiosa ou angustiada, ela recuava, acreditando que se desistisse de viajar, seus problemas terminariam. E terminavam por um tempo, até o próximo ano, quando a vontade de ir para longe voltava a bater em sua porta.
Como era uma mulher inteligente, durante um tempo, procurou entender o que a deixava tão amedrontada com a ideia de ir para um outro país. Imersa em seus pensamentos agitados e seus sentimentos conturbados, dizia a si mesmo:
“Mas, e se acontecer alguma coisa e eu tiver sozinha? Aqui no Brasil, é mais fácil…todos falam a minha língua e eu estou acostumada e conheço o sistema de saúde!
Ah… outras oportunidades virão! Vai que ano que vem eu estou namorando ou a Flávia pode ir comigo e fazemos essa viagem juntas. É isso mesmo… Vai ser mais divertido eu ir acompanhada….
Também tem outra coisa….. o dólar está tão alto, que vale mais a pena viajar por aqui. É isso mesmo! Vou ficar aqui e ano que vem vou para fora. Boa!! Ótima decisão!”
E nos primeiros e segundos anos, essas justificativas conseguiram de certa forma apaziguar e abafar sua vontade mais pura. Mas com a aproximação das terceiras férias, ela não quis mais fugir. Estava pronta para lidar com um de seus lobos maus. Seu coração gritava mais forte do que seus pensamentos! A brecha estava ali. Estava pronta para avançar.
Em algumas conversas com Diana, chegamos à conclusão que por mais que sua mente quisesse encontrar explicações para ela não ter viajado para o Caribe ou para os Estados Unidos, todos essas justificativas e argumentos eram frágeis e não se sustentavam quando sua mente se encontrava mais tranquila e seu coração em paz.
“Vamos meditar?” eu propus. “Quem sabe, se afastando desse lobo mau, transvestido de pensamentos de impossibilidade e sentimentos de apreensão, você consiga perceber de fato o que realmente te impede de viajar”.
Diana, então, fechou os olhos.
Por 20 minutos ficou em silêncio e após uma longa inspiração, abriu seus olhos castanhos e disse: pude olhar para a cara dele e sua floresta é dentro de um supermercado.
“A primeira vez que estive com ele, eu tinha por volta de 3 ou 4 anos. Estava com minha mãe fazendo compras e me perdi. Havia muitos corredores e eles eram altos e eu não conseguia encontrá-la. Comecei a chorar e depois de um tempo perdida, uma moça me pegou pela mão e me levou para perto dos caixas. Minha mãe apareceu depois de um tempo e brigou comigo. E depois me abraçou. E brigou mais uma vez e por fim me abraçou”, ela me confidenciou ainda emocionada e impactada com a lembrança que havia sido desvelada.
Diana havia ficado cara a cara com seu medo e ele tinha a feição amorfa de uma sensação de solidão, de choro, de estar perdida e sozinha em um grande labirinto.
Ao longo de sua vida, essa nuvem de informações, impressa com o episódio do supermercado, volta e meia aparecia quando ela se imaginava em alguma situação ou lugar desconhecido e sem ninguém familiar por perto. Exatamente o que acontecia quando ela pensava em viajar para outro continente sozinha.
Por meio da meditação, ela identificou a informação da origem do medo de ficar só, compreendeu quais os elementos que ela vivencia hoje e que detonam esse medo e reconheceu que esse lobo mau é apenas uma sombra que pode desaparecer se ela desejar.
E ela desejou. Com a nova consciência sobre si mesmo, decidiu atravessar a sombra mesmo com o coração apertadinho. E foi. Mês passado esteve em Verona e Roma. Na foto que me enviou, estava linda em seu vestido azul e havia perfume de liberdade por todo o ar.
Nossas sombras não desaparecem de uma hora para outra, já que são constituídas não só da informação cognitiva do episódio vivido, mas também das emoções que a encharcaram. Por isso, não bastava Diana ter compreendido intelectualmente o que se passava com ela, era fundamental que ela também esvaziasse aquelas emoções associadas e construísse novos caminhos neurais que a permitissem enxergar o novo como ele realmente é, sem as impressões de quando se perdeu.
E quanto à você, quais lobos maus se escondem aí? Que espécie de historinha ele costuma te contar e que te impede de ir ou fazer o que você deseja?
Aprenda a meditar.
É possível se distanciar de seus pensamentos e emoções e perceber a narrativa que te acompanha e te faz adotar frequentemente os mesmos papéis.
Vai, se silencia. É tempo de novas histórias e caminhos. É tempo de liberdade.
