Ela foi da alegria, à raiva, depois sentiu tristeza e culpa. Por que ela levou tanto tempo para sair dali?

Ana Paula Borges
anapaula@getflowmind.com

Ela acordou cedo e muito animada. Era um sábado de sol. Tinha que ir à feira comprar verdura frescas e peixe. Faria uma moqueca para Susi, sua irmã que morava longe e almoçaria com ela.

Ai, quanta coisa tenho que fazer, pensou! Deixa eu ver tudo direitinho… Pegou uma caneta e começou uma listinha para não esquecer. Relembrava a receita na cabeça e anotava. Ai, ainda bem, que a casa já está arrumada e o pudim feito. Tinha sido uma boa ideia preparar a sobremesa de véspera!

Foi e voltou da feira com passos rápidos e sacolas cheias. Temperou com esmero, refogou tudo demoradamente… fazia tudo com muito cuidado e carinho. Um olho na panela e outro no relógio. Tem que dar tempo, pensou! De um lado para cá na cozinha, ela se mexia com destreza. Pronto! 11h50! Tudo certo! Agora é só esperar.

Será que dá para tomar um banho? Dá sim, ela pensou. Tomou uma chuverada rapidinho. Se perfumou, colocou um vestido bonito e 12h10 estava sentadinha no sofá. Será que vale à pena ligar a televisão? Ela já deve estar chegando…acho que não.

Ansiosa com a demora de Susi, resolveu ligar. Com voz mansa e carinhosa, disse: “Oi Susi, tudo bem? E aí, você já está chegando?”

Com uma voz afobada de quem está andando ou fazendo um monte de coisa, Susi disse: “Ih, irmã, vou me atrasar um pouco. Tive que levar uma encomenda na casa de uma cliente e acabei me atrasando. Devo estar aí, por volta das 14h, tudo bem?”

Pega de surpresa com a resposta da irmã, a única coisa que consegui dizer, com voz seca, foi: “Tudo bem”.

Ótimo, então, daqui a pouco estou aí! Beijo”, disse Susi.

Tudo bem?! Tudo bem, coisa nenhuma, pensou! Acordei cedo, corri, fiz o máximo que pude e agora ela vai chegar no meio da tarde! Que absurdo, falta de respeito e consideração, pensava, sem conseguir conter a enorme irritação e frustração. Andando de um lado para o outro, da sala para cozinha, começou uma conversa sem fim com sua cabeça: ela vai chegar e a moqueca vai estar fria/vou ter que esquentar/vai ficar ruim/e a salada que já temperei/as folhas vão ficar murchas/não precisava ter acordado tão cedo/nem consegui tomar banho direito/e não foi barato, não/gastei quase 150 na feira/ela sempre teve esse jeito/meio assim, desligada/tenho certeza que não havia encomenda nenhuma/ela deve ter acordado tarde e se atrasou/ela pensa que eu sou palhaça….

E ficou assim, por quase as 2 horas que a irmã levou para chegar. Em uma espiral crescente de pensamentos e raiva, que só fazia crescer. A alegria e o entusiasmo tinham ido embora. Tudo tinha ficado cinza. Ai, que raiva! Se pudesse eu cancelava, pensou. Perdi toda a vontade de almoçar com ela. Ai, que ódio!!!!

A campainha tocou e em um sobressalto, ela atendeu. A voz de Susi, usualmente alegre, parecia ainda mais esfuziante. “Oi irmã, cheguei!”

Carregando uma sacola de compras, Susi foi logo agarrando a irmã! “Que saudade! Olha, comprei umas coisas para a gente beliscar!”

Beliscar, beliscar????!!!!!!!!! A essa hora? Que horas a gente vai almoçar? Ela deve estar maluca! E com um sorriso insosso e um abraço travado, retribuiu como pode o abraço da irmã.

Susi foi entrando na casa, deixando as bolsas de um lado e começou a falar…. Contava com detalhes os acontecimentos da última semana. Algumas vezes, ria, mudava a entonação da voz. E ela, ainda com tanta raiva, mal conseguia escutar as peripécias da irmã.

Depois de uns 15 minutos de conversa não conversada, ela não se conteve e falou entre os dentes: “Vamos comer?

“Claro, tá um cheiro tão bom, disse Susi!!”

E finalmente, o almoço, tão esperado aconteceu. Susi contando suas coisas e a irmã, apenas acenando com a cabeça. Para não ficar muito chato, dizia uma coisa ou outra. Depois de muito tempo, Susi perguntou: “Hum, tá tudo uma delícia! Mas, e você, tá tudo bem? Você está tão calada”.

Ufa, até que enfim, ela percebeu, pensou a irmã! Finalmente, se tocou que eu estou chateada! Um momento de alívio e certa felicidade pairou no ar….

“Não, tá tudo bem”, disse secamente, com um tiquinho de superioridade.

“Ah, tá! Que bom, então…. ” e continuou Susi contando as coisas de sua vida, tagarelamente.

Ah, não acredito que ela não vai insistir e perguntar o que eu tenho, pensou a irmã! Será que ela não tem noção do que fez? Vou ter que ficar ainda mais distante para ela se tocar???

E como Susi não se “tocava”, ela continuou assim, toda a tarde. Emburrada e ensimesmada em seu próprio mundo.

Nem deixou Susi ajudar a tirar a mesa. “Deixa que eu faço”, foi logo dizendo, em resposta às investidas de Susi que tentava ajudar. “Pode ficar na sala, que eu faço”, fez, questão de dizer.

A tarde passou e Susi, aos poucos, foi parando de falar. Talvez, minha irmã não esteja muito afim de papo, pensou.

E ficaram as duas ali, sentadas, olhando para a TV. Às vezes, Susi fazia um comentário e a irmã respondia comedidamente com poucas palavras.

Depois de um interminável tempo, de muito tempo, ela olhou Susi de relance… a irmã ria de alguma coisa que passava no programa. Sentiu carinho. Ai, que bom que minha irmã está aqui. Enquanto outro pensamento encavalado dizia: mas ela precisava ter se atrasado tanto?

A briga que só existia em sua cabeça começava a arrefecer. Caramba, já são quase sete horas, pensou. E ao perceber como o tempo tinha passado, ficou triste.

Queria resgatar o tempo perdido, conversar com Susi com soltura, sem armadura. Mas como saio daqui, pensava? Fiquei na minha para ver se ela se tocava da burrada que fez e nada. Não posso simplesmente começar a rir e ficar alegrinha. A Susi precisa entender que errou, continuava….

E ficou assim, por mais uns bons quarto de hora.

A raiva havia se transformado em tristeza. Ela estava triste.

Ai, meu Deus, como saio daqui? Talvez, minha irmã, tenha precisado mesmo levar a encomenda. E ela foi tão legal o dia todo. Tentou conversar comigo… e eu aqui, seca. E estava ela, ali, novamente algemada à sua cabeça: ela mora longe/a gente tinha combinado a tanto tempo/ainda passou no supermercado e comprou algumas coisas para agradar/eu fui grossa o dia todo/mas também fiz tudo com tanto carinho/daqui a pouco ela vai embora/mas, ela precisava ter se atrasado/eu tô triste/só faço besteira/como saio daqui/tô com vontade de chorar…

E a tristeza deu lugar a culpa. Sentia-se mortalmente culpada por tudo ter dado errado. Era para ser um almoço bom. Hoje de manhã estava tão feliz. O que aconteceu? Mas, Susi também teve um pouco de culpa. Se tivesse chegado mais cedo….

Chega, quero sair daqui!, gritou calada!

Ao ver Susi olhando o relógio, se desesperou. Ai, ela vai embora. Tenho que fazer alguma coisa para reverter essa situação.

Mas, fazer o quê? Como saio desse lugar que eu mesma me meti? Não posso sair do estado de “putice” para o de “melhores irmãs”. Estava exausta e sem saber o que fazer. Parecia estar presa em um mundo que ela mesmo havia criado.

Até que cansada de tanto brigar, em uma tentativa desesperada de sair dali, resolveu perguntar, no tom de voz mais cordial e ameno que conseguiu: “Vou fazer um café, você quer, Susi”?

Ai, tomara que Susi responda bem. Com carinho, pensou. Caso contrário, vou ter que continuar aqui. Vai, Susi, me ajuda, responde assim: sim, quer que eu te ajude?

E foi exatamente isso que Susi disse: “Sim, quer que eu te ajude?”

Ai, que alívio! Graças a Deus, pensou. E feliz como uma criança, disse: “Quero, vamos!”

E naquele instante, tudo mudou. Havia alegria de novo ali.

Minha irmã está aqui! Que bom! Ai, quero aproveitar o tempo perdido, pensou.

E foram as duas para cozinha, saltitantes. As irmãs conversavam alegremente.

E no primeiro gole de café quentinho, pensou: Ai que alívio que minha irmã está aqui! Por que não saí dali antes? Por que me demorei tanto?

Não importa…. que bom que sai dali.


Você, às vezes, se reconhece assim?

Vivendo uma vida em que nada pode sair do planejado….

Em um estado frequente de vigilância, frustração e controle?

Criticando a tudo e todos……

Permita que a alegria, a simplicidade e a leveza sejam a sua melhor companhia. Sinta-se feliz e agradecida por todas as pessoas que estão na sua vida.❤️

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Ana Paula Borges

Executiva com mais de 25 anos de experiência em gestão e liderança. PhD em Administração pela FGV, Instrutora Senior de Meditação pelo IRB, Pesquisadora nas áreas de Neurociência e Mecânica Quântica. Fundadora da FlowMind – Mente Feliz, em Paz e Criativa no Agora. Palestrante, Mentora e Professora.

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